– Sua vagabunda! Te falei que não era pra fazer isso comigo, sua piranha! Toma desgraçada!
Três tiros ecoaram, estrondos, pelo saguão do fórum da pequena cidade do interior. Como tudo havia sido muito rápido, nem a polícia que ali estava presente pôde intervir, mesmo estando a metros de distância do suspeito. A ação não foi preventiva, mas serviu para evitar que os outros três potenciais disparos fossem feitos. O homem descontrolado, agora preso sob a ação de joelhos militares, debatia-se tentando se livrar da prisão instantânea que, por total cegamento causado pelo ódio, não havia conseguido prever.
Num mesmo saguão, o casal desfeito, policiais militares, delegada e investigadores, promotor de justiça, advogados e um juiz. Testemunhas e jornalistas foram o toque de mestre do Acaso, contribuindo para o desenrolar mais dinâmico da história da justiça brasileira.
Não haveria perseguição, pois ali estava o orgulho ferido, imobilizado.
Não haveria necessidade de investigação. Ouvir as testemunhas seria redundante.
Não haveria o que ser relatado pela delegada de polícia ao Ministério Público, considerando que o próprio representante do parquet ali estava presente.
A denúncia não precisaria ser enviada por escrito ao Juiz para que decidisse quanto a sua inépcia. Não havia dúvidas quanto ao que ali se havia visto.
O advogado ainda tentaria dizer que nada daquilo aconteceu.
Os populares decidiriam quanto à autoria, materialidade e motivação do acontecido, tal qual determina a lei.
A sentença seria proferida ali mesmo, a plenos pulmões, pelo Juiz que a tudo também havia testemunhado.
E então, condenado, o ex-marido seria encaminhado, atônito, para a penitenciária que agora era seu novo lar, tendo como última visão de libertado o corpo estirado de sua ex-viva ex-esposa.
Mas os planos do Acaso foram frustrados. A investigação aconteceu, as testemunhas foram ouvidas em sede policial, em datas diferentes; o prazo foi dilatado pois a investigação ainda precisava de mais elementos probatórios. A delegada finalmente relatou o inquérito policial 1818/2011, encaminhando a arma apreendida e os projéteis ao escrivão judicial, para que armazenasse em local seguro até o dia do juri popular. O Promotor ofereceu denúncia, nos termos do artigo 24 do Código de Processo Penal, e esta foi recebida pelo Juiz, que determinou a citação do acusado, para que constituísse um advogado para o defender. Uma audiência foi designada, em que algumas das testemunhas originais foram novamente ouvidas, para confirmarem o que haviam visto. O acusado foi pronunciado e a data para o Juri popular foi marcada. Providências tomadas, o acusado foi condenado, após manifestação dos populares selecionados para compor o conselho de sentença. A sentença condenatória foi, então, proferida a parciais pulmões pelo Juiz, que a tudo havia visto.
O corpo já não estava mais ali, estirado.